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Thiago Honório: uma leitura inacabada


        

        Parece-me que, se vistos em conjunto, os últimos projetos de Thiago Honório incitam o observador a se instalar em uma situação particular de espectador. O fato de que a arte há muito tornou-se espetáculo, acontecimento esvaziado de qualquer sentido religioso ou utópico, não é novidade. Na verdade, sua denúncia já se tornou antiga e maçante. O dentro e para além da estrutura de espetacularização e mercado – e essa vai se consolidando fortemente mesmo em um país com pouco investimento em cultura como o Brasil – constitui o risco, que Thiago e outros artistas reclamam para si. 

        Não se trata aqui de festejar uma certa “estética da precariedade” que vem ganhando vigência entre nós e que, guardadas as devidas excessões, nada mais é do que a mimetização “criativa” da situação generalizada de pobreza nada inspiradora que nos cerca. Ao contrário, esses projetos de Thiago não têm nada de precário. Em geral, não são realizados pelo artista e precisam recorrer a engenheiros e mão-de-obra especializada para saírem do papel.  E isso, a meu ver, constitui um novo caminho do trabalho nos últimos dois anos. Mas é preciso dizer: destacar o fazer especializado ao qual o artista recorre em suas últimas obras em si não tem significado algum (assim como a insistência no fazer manual tampouco é capaz de representar algo para leitura de uma obra). É mesmo uma observação prosaica. E, como sabemos, também ela já fez história na arte.   

       Ainda que obras como Saltando de banda (2003), Balcão de informações (2004) e o projeto  mais recente do artista, a ser apresentado no Parque Lage (Rio de Janeiro) em 2005, possam ser compreendidos como corpos desenhando o espaço – incluindo aí o repertório de  trabalhos – eles não se resumem a isso. Pois ultrapassam a sugestão de uma linha tridimensional que se esforça para delimitar um lugar no mundo: eles encenam um acontecimento. Tal ato, do qual somos testemunhas, se apresenta como uma fenda efêmera no espaço real, que pode ser uma galeria, um instituto cultural privado ou a paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Ou, como no caso de Plano de saúde e casa própria (2003), outdoor montado do avesso e colocado na fachada da galeria Rosa Barbosa (São Paulo) em exposição realizada em conjunto com Thiago Bortolozzo. Além do estranhamento que a apropriação produz, como um outdoor vazio mas que anuncia, mediante um jogo de espelhamento, a imagem distorcida da galeria e a exposição em seu interior, ele remete ao mesmo tempo à confusão entre valor de troca e valor artístico das obras.  

       A operação que Plano de saúde e casa própria exibe ajuda a compreender a relação que as obras citadas há pouco mantêm com o espaço real no qual se desenrolam. Assim como a maioria dos artistas de sua geração, Thiago Honório experimenta, na gênese do próprio trabalho, a comunicação com seu entorno. Mas não na forma de uma topografia enfadonha, tão comum à arte contemporânea, em que tetos, paredes, portas, janelas são duplicados por algum artifício arquitetônico ou plástico (pintura, fotografia, vídeo etc.), a fim de  mostrar que uma porta é... sua representação. Do mesmo modo, estamos longe de intervenções espacias que pretendem, por meio de alguns dispositivos, perturbar ou mudar a circulação das pessoas, e que por vezes resultam em exercícios de pura maestria formal. 

       Como num palco, o que temos no caso de Honório são espetáculos mínimos, imagens condensadas que, apesar de serem sugeridas pelos lugares que ocupam, deles se tornam autonômas na medida em que sustentam uma outra duração, uma outra história, latente. A natureza da intervenção e os materiais utilizados remetem a algo potencialmente presente e que o trabalho parece encenar. As presenças indiciais tanto da arquitetura como dos postes de concreto em Saltando de banda, das folhas de papel sulfite em Balcão de informações e dos planos de aço soldados em Olé (projeto não-realizado para a fachada do Centro Universitário Maria Antônia – São Paulo) são assim rearticuladas para darem vida a imagens que não estão além, mas que  brotam lentamente desses lugares triviais.

       Acho que não seria demais apontar uma certa aproximação do artista ao surrealismo e seu procedimento de deslocamento e sobreposição de significados (não por acaso seus títulos passaram a ter uma importância considerável para experiência dos trabalhos). Há aqui também um certo gosto pelo insólito e pelo fugaz. “Metafísica dos lugares, é você que embala as crianças, é você que povoa seus sonhos”, como canta Aragon em suas perambulações pela cidade em Le Paysan de Paris...  

 
—  Taisa Palhares
Texto para o sítio digital Canal Contemporâneo, dezembro de 2005.







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