Pari passu, 2011
Díptico constituído por duas tranças de peles afixadas com alfinetes cromados brilhantes e que têm na extremidade, cada uma delas, uma pata de cabra. O conjunto é aparafusado em espécies de mísulas de madeira escura recortada e envernizada que trazem placas gravadas. Parte do material utilizado, neste caso os alfinetes cromados, foi encontrada no Marché aux Puces, de Saint-Ouen, Porte de Clignancourt, grande “mercado de pulgas” localizado num bairro periférico de Paris.
As peles trançadas foram afixadas às patas de cabra. Decidi que a madeira utilizada como suporte de fixação na realização de Pari passu deveria ser lixada e envernizada meticulosamente e ter uma tonalidade não totalmente homogênea, mas mais escura, de modo a contrastar com a textura e a tonalidade ocre das peles e das patas animais.
Optei por realizar placas de metacrilato na cor preta – diferentemente das placas de ouro gravadas que utilizei em outros trabalhos anteriormente realizados –, pois essas não deveriam competir com o brilho cromado dos alfinetes prateados que emergiriam do conjunto.
A composição de Pari passu refere-se, pelo entrelaçamento evidenciado, a um descompasso e a um desvio, marcados pela diferença, sinalizados tanto pelas nuances distintas de peles e quantidade de pelos usados na construção de cada uma das tranças, quanto pelas patas utilizadas e, sobretudo, pela marcação nos números romanos LXXI e VIII gravados em cada uma das placas.
Esse descompasso identificado nas tranças torna-se mais evidenciado uma vez que os suportes recortados de madeira, os alfinetes cromados e as placas de metacrilato são idênticos e os elementos orgânicos – peles e patas – são únicos, singulares, diferentes, assim como os números gravados em cada uma das placas.
As placas, como procedimento de catalogação, indicam, no arranjo solene desse entrelaçamento, a marcação de um passo alhures. A decisão pelos números que marcariam cada uma das placas foi parcialmente arbitrária. Era fundamental que não sugerissem uma sequência linear ou evolutiva, um desenvolvimento propriamente dito; e sim que fossem aleatoriamente distanciados um do outro no que se refere a uma pressuposta cadeia numérica. Pari passu invoca a marcação de passos noutro lugar nos quais não há repetição, nem tampouco a sugestão de desenvolvimento. Inicialmente pensei em gravar a palavra pari numa das placas e passu na outra. Imaginei que, desmembrando a expressão, um certo desvio seria sublinhado. Cheguei a fazer testes em placas pretas de metacrilato e o resultado, a meu ver, não foi tão contundente quanto a marcação com os números romanos, cuja ênfase no desvio numérico, contrário a uma sequência encadeada, pareceu ir ao encontro de um certo descompasso buscado pelo trabalho.
Algo que também me despertou a atenção na reunião das peles, cujo entrelaçamento já denota a presença de fendas e aberturas, foi a mimetização deste elemento marcado pela cisão, a fenda, no desenho de cada uma das pequenas patas.
Pari passu é um trabalho bastante intimista, a um só tempo austero e discreto, que deve ser disposto solitariamente numa generosa parede, para que, pelo contraste, ganhe escala; trata-se de arranjo que alude a inúmeros procedimentos de justaposição e de montagem identificados em trabalhos anteriores e que parece falar de marcação, ritmo, exatamente pelo descompasso, pelo desvio. A dimensão estática do conjunto entrelaçado de peles em Pari passu pode aludir a um pas-de-deux impossível.
Thiago Honório, novembro de 2010.
Ficha técnica
Pari passu, 2011
Mísulas de madeira, alfinetes cromados, placas de metacrilato gravadas, patas de cabra e peles trançadas
foto: Edouard Fraipont
Exposições
A sangue frio, Galeria Laura Marsiaj, RJ, 2011