obras          exposições         textos         vídeos          publicações          sobre          contato







































desenhodesejo



        
        O inconsciente conspira de forma incessante. Ao dormirmos, revela-se nos sonhos; quando acordados, flagra-nos com palavras e símbolos que transbordam na arquitetura dos nossos gestos. Riscos de lápis que se repetem, fundindo cores e bordeando aquilo que parece não caber, como um sedento, bebendo da intensidade sem saciar. Metal moldado no próprio corpo, emprestando sua carne, emoldurando desejos. 

        desenhodesejo na ponta do lápis, tecendo, no limiar teso, no delicado papel milimétrico, arrisca a precisão assimétrica, como um toque que adorna e acaricia o perímetro da pele, deixando-se perder nas curvas inusitadas do corpo. desenhodesejo de carvão quebrado, traçando corpos vigorosos, que quando não cabem mais no papel, avolumam-se em metal. Tão nus e, ao mesmo tempo, protegidos pelo material que os moldam.

        Thiago Honório e Julia Gallo fusionam suas histórias, permeadas pela reverência à aprendizagem e, como uma natural emancipação de aprendiz, põem-se frente a frente, numa dança de corpos espiados e desejados. Emancipação e atração tencionam e provocam a pulsão artística, flagrando o oculto do inconsciente; a olho nu, espia corpo que dança, espia corpo furado, que se revela pela fresta da roupa, espia dor que não cabe.

        Em ambas as obras, a repetição do movimento se assemelha a um gesto sagrado, como num fervor espiritual, o terço correndo entre os dedos; gestos que insistem na repetição e carecem de atenção plena em cada deslize sobre o papel e cada pontada machucando o metal.

        Estudo para Visto, monóculo enquanto vê, absorve-se, testemunha solitária e minuciosa. Adornado, torna-se amuleto que, para aquilo que espia e deseja, convirja sacro e profano, fazendo caber o incabível. A dança mântrica do lápis em deslize se arrisca em mais uma camada do desejo que se despe.

        A habilidade de moldar anatomia, mastigada pelo transe exaustivo, ergue Armadura de São Sebastião, parindo peças-sonho, peças-fantasia, peças-lembrança; provocando, no olho que vê, texturas e imagens internas. Edificadas e retorcidas com mãos e dedos, santo em pé, veste sua armadura e se fere na batalha da ambiguidade do desejo e do sagrado.

       desenhodesejo tensiona entre o olho que espia, sacralizado em madeira, e corpos rasgados por flechas, aquilo que transborda desejo. A sublimação e a carne, pulsão de vida e morte. Martírio. Thiago e Julia, generosamente, nos proporcionam esse deleite com a exposição conjunta das obras Estudo para Visto e Armadura de São Sebastião.


—  Gil Kehl, 12 de maio de 2025. Lua Cheia de Wesak 

Gil Kehl é tereapeuta Ayureveda com ênfase na investigação das camadas arqueológicas do corpo emocional e estudo da arquitetura vital 





© thiago honório 2025
by estúdio roda