obras          exposições         textos         vídeos          publicações          sobre          contato











Falta, 2010



                  
                 Falta captura o som de uma lâmina sendo afiada e foi gravado em formato digital – um módulo sonoro repetido em looping. O objeto compact disk, a lâmina do CD em si, deve ser considerada parte do trabalho, tanto quanto o áudio gravado.

                 A superfície do disco é igualmente reflexiva na frente e no verso, isto é, nenhuma das faces pode estar submetida à adição de adesivo, gravação, tingimento e/ou pintura. Sem ter uma das faces do disco identificadas, pois é duplamente espelhado, o CD pode ser colocado para tocar num player do lado no qual não seja lido por essa máquina, não emitindo, desse modo, som algum. O único dado que identifica a posição do CD para que ele possa ser lido corretamente pelo dispositivo eletrônico é o relevo da área transparente por onde passa o nosso dedo indicativo quando manipulamos o objeto, circundada por ranhuras.

                 Durante o processo de construção da tese de doutorado intitulada Parte, ponderei que esse exercício de reflexão talvez pudesse ser, também, o locus para a apresentação de Falta, logo anexado ao corpo mesmo da tese. Tratava-se, ademais, de um trabalho que enfatizava a reunião de temporalidades distintas, surgido da oportunidade rara que o projeto de tese numa escola de arte podia propiciar.

                 Falta requeria que o som da lâmina sendo afiada fosse ritmado de maneira pendular, algo como a marcação de um relógio, numa espécie de duo: a e b, a e b, a e b, e assim indefinidamente. Com a colaboração do músico Ruriá Duprat, sons de facas caseiras em atrito com uma pedra foram capturados em seu estúdio. Este som, repetido exaustivamente, chegava a uma espécie de mantra, a uma abstração monocórdica. Decidi que esse movimento quase infinitesimal de um vaivém fosse exaustivamente repetido no processo de emulsão do disco compacto.

                 Ao decidir pelo loop – como ocorre nos demais trabalhos reunidos em Parte – não se tomava o tempo como algo linear, que pudesse ter início, meio e fim, mas como trânsito e deslocamento ininterruptos. Falta pode se expandir para além do volume da tese, se disponibilizar com fones de ouvido, numa relação mais contida com o espectador/ouvinte, ou, ainda, suscitar relações com a arquitetura, neste caso devendo se apresentar em caixas de som e amplificadores com fiação aparente “fatiando” as paredes de uma sala vazia.

                 Em Falta, interessam-me as imagens sugeridas e, de algum modo, projetadas pelo som. É como se o trabalho, que toma o “corpo” da tese enquanto material físico, pudesse acontecer também em tempo real: é como se ele estivesse acontecendo. O desejável seria que essa monocórdica composição fosse ouvida em alto volume, e que sua repetição levasse a algo como um transe, qualquer coisa próxima ao paradoxo do êxtase batailliano: “o de que o sujeito deve estar lá onde não pode estar, ou vice-versa, o de que ele deve faltar ali mesmo onde deve comparecer”*.

Thiago Honório, 2010.



* MATI, Susanna; RELLA, Franco. Georges Bataille, filósofo. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2010, p. 18.






Ficha técnica

Falta
, 2010
Objeto compact disk dupla face prata e aúdio gravado

foto: Edouard Fraipont


Exposições

Incompletudes
, Galeria Virgilio, SP, 2010



© thiago honório 2024
by estúdio garoa