desenhodesejo, 2025
Parece de fato impossível, em relação ao olho, pronunciar outra palavra que não seja sedução, já que nada é tão atraente nos corpos de animais e dos homens.1
Georges Bataille
desenhodesejo consiste num arranjo formado por trinta desenhos inéditos da série Estudo para Visto, realizados entre setembro de 2024 e março de 2025, que serão apresentados num painel revestido com textura na tonalidade areia juntamente com um grande relevo em alumínio da artista Julia Gallo — algo como uma corrente ou rosário, constituído a partir de um princípio de unidade modular.
Nessa disposição, dez desenhos serão mostrados no primeiro dia de exposição. Na mesma posição, outros dez serão expostos no segundo dia, e os últimos dez desenhos no terceiro dia, trazendo o movimento da anima, da animação, do desenho animado, assim como embaçando percepções e sentidos, como se os desenhos pudessem se mover.
A palavra “visto”, do título Estudo para Visto, evoca o baralhamento da relação entre quem vê e quem é visto, entre quem olha e quem é olhado, tanto a ideia de algo visto como substantivo e, também, verbo — neste caso, o verbo vestir conjugado na primeira pessoa do singular: eu visto.
Os desenhos foram realizados com lápis de cor aquarelável em folhas de papel japonês quadriculado e montados em lâminas de madeira jacarandá. Partem da observação dos olhos realistas de cristal, vidro ou resina comumente produzidos por santeiros populares para as chamadas imagens de roca e/ou de vestir — neste trabalho, em escala natural 1:1; e de elementos e fragmentos de decoração e ornamentação da arquitetura mineira dos períodos barroco e rococó: capitéis, colunas, cornijas, frontões, frontispícios, mísulas, ogivas, oratórios, peanhas, portadas e volutas. Ainda sobre a escala desses desenhos, cabe dizer que eles pertencem ao espaço da intimidade, assim como ao espaço íntimo do trabalho, e talvez daí resulte um movimento de atração. Dispostos na altura dos olhos de um espectador de estatura mediana, entre cada um deles é reservado um espaço vazio, um hiato, para que possam olhar e ser vistos sempre um a um, individualmente.
O emprego do lápis de cor e seus componentes plásticos permitem a ênfase cambiante do claro-escuro sobre a malha quadriculada, assim como interpenetram e confundem gradações de contorno e claridade, revelando uma falsa simetria que, de algum modo, desautoriza esse grid ou o coloca em xeque.
As máscaras ou entalhes evocados estão em diálogo com a montagem dos desenhos em lâminas e caixas de jacarandá retangulares ou ovais, verticais ou horizontais. Nos nós e veios do jacarandá — árvore símbolo da sabedoria — também é possível ver olhos.
Os desenhos desta série apresentam sempre um único olho com visão monocular. Esse olho aparece envolto em espécies de volutas, máscaras, como que incrustrado em fragmentos de talha no estilo do ornato em rocaille que, no caso desses desenhos, adornam algo como um “olho-amuleto” ou uma joia rococó.
Esse olho que deseja também pode ser conectado ao terceiro olho, à glândula pineal associada ao centro terminal do equilíbrio. Em “O olho pineal”2, Georges Bataille afirma que “a glândula pineal está situada sob a calota craniana, no cimo do edifício fisiológico humano, e o seu caráter ocular não é por isto insignificante e secundário”; e que “a visão pineal corresponde ao segundo sistema de impulsos, não menos completo que o sistema horizontal; e, desta forma, longe de ser uma imaginação absurda ou gratuita, enquanto função psicológica pode ser estudada a um título idêntico ao da visão habitual”.
Um olho que protege e que vê aquilo que é oculto.
Um olho que protege e que também vê o que não se mostra.
Um olho que protege e que deseja.
Um desejo desenhado, um desenho desejado.
Um desejo que desenha, um desenho que deseja.
Um.
Desejo desenho,
Desenho desejo.
desenhodesejo.
Thiago Honório, abril de 2025.
1. BATAILLE, Georges. “Olho”. Tradução de Marcelo Jacques de Moraes e João Camillo Penna. Inimigo Rumor 19, Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora, 2007, p. 82; ______. “Olho”. In: Documents. Desterro: Cultura e Barbárie, 2018, p. 97.
2. BATAILLE, Georges. O ânus solar (e outros textos do sol). Lisboa: Assírio & Alvim, 2007, p. 53-54.
Ficha técnica
Estudo para Visto, 2024-2025
Lápis de cor aquarelável sobre papel quadriculado; folha de jacarandá
36 x 26cm
26 x 36 cm
26 x 22 cm
22 x 26 cm
foto: Edouard Fraipont