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Bala
, 2015-2017






             
                 
                 Bala consiste num baleiro construído em escala natural, cujo corpo – que toma como referência uma boneco-bandeja de mesas de aniversário infantis durante os chamados “anos de chumbo”, 1964-85 – é formado por bandejas elípticas de madeira e metal recheadas de balas de coco, embrulhadas em papel de balas rococó de cores sortidas. Em alguma medida, a pirueta semântica do título deste breve texto está contida no trabalho e o anima (a palavra coco, por exemplo, de certo modo está contida na palavra rococó, sem o acento agudo).

                 As mãos do boneco foram esculpidas em escala humana natural; sua indumentária é constituída por tules e fitas – os babados da gola e das mangas – e pelos papéis rococó que embalam as balas que o revestem. Trata-se de uma pantomina patética e imóvel, que pode ser vista e comida pelo público.

                 Menciono uma passagem de Fábio de Souza Andrade sobre a peça Fim de partida, de Samuel Beckett (1906-1989), que inspirou a realização deste trabalho: “Há também a linhagem dos clowns que trazem a corda bamba junto ao chão e se ocupam de exibir os limites humanos projetando luz sobre a falha e o fracasso”*; e, também, a lembrança do que me ensinou Denise Stoklos, em 2003: “O palhaço é aquele que ri da insuficiência humana”, ao que eu acrescentei: a começar pela sua autoinsuficiência.

                 Bala foi concebido em 2014 e produzido entre 2016 e 2017, em meio ao cenário apocalíptico do pós-golpe contra o governo Dilma Rousseff (2011-2016), e apresentado no âmbito da mostra Trienal Frestas: Entre acontecimentos e pós-verdades, no SESC Sorocaba, em Sorocaba, SP, em 2017.

                 Em Bala, interessou-me, também, ver o trabalho acontecendo no corpo do outro, sendo introduzido no corpo do público espontâneo, na boca dele, antropofagicamente devorado, desembalado, mordido, mastigado, degustado, saboreado, comido**; as costelas aparentes do baleiro-palhaço de 1,80 m de altura, as bandejas que constituem seu corpo, reviradas, remexidas, com balas sobrando somente na “panturrilha” e nos “ombros”; e, ver também, os papéis de embrulho rococó do doce nos cestos de lixo ou nos arredores do SESC Sorocaba.

                 Penso no clown como aquele que ri da insuficiência humana – como me ensinou Denise Stoklos –, a começar pela sua própria. Penso nas imagens de vestir, no baleiro de festas dos anos 1970 brasileiros que tomei como matriz para a construção de Bala, reconstruído agora em escala 1:1, e no quanto ele atesta seu inacabamento a partir da decrepitude física, do corpo de bandejas fisicamente mutilado do boneco. Seu esqueleto aparente denuncia bandejas elípticas vazias que constituem um ser inanimado, imóvel, descontínuo, em constante estado de negação na medida em que vai ao encontro dos corpos de outrem, continuamente fundindo-se a eles e se encontrando, portanto, em constante processo de transformação. Num trabalho que também fala de falta, lacuna, ausência, que bom que foi – e é – poder presenciar isso.

Thiago Honório, agosto de 2017.



* ANDRADE, Fábio de Souza. “Matando o tempo: O impasse e a espera”. In: BECKETT, Samuel. Fim de partida . São Paulo: Cosac Naify, 2002.
**  Tive o privilégio de ver as balas de coco sendo desvestidas do papel rococó pelo público. Pude vê-lo comendo a obra e, de algum modo, sentir a vibração do trabalho no corpo de outrem.













Ficha técnica

Bala
, 2014-2017
Boneco-baleiro natural 1:1; balas de coco embrulhadas em papel de bala rococó
1,80 x 1,25 x 0,90 m

foto: Edouard Fraipont


Exposições

E o palhaço, quem é?,
Paço das Artes, 2024
Alegria, uma invenção
, Central Galeria, 2022
Frestas Trienal 2017, Sesc Sorocaba, 2017



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