Exposição-processional,
segundo ato*
Entremeios, entretelas,
costuras
Oração e Texto tecidos
entrelaçados
Subimos os montes
e as escadas da capela
Caminhamos até o altar
em comunhão
Atravessamos tempos distintos, paredes espessas,
seculares
Recorte
temporal
Outro solo
dentro e fora
Salto alto
Pas de deux
Em terra vermelha,
em taipa de pilão
Com pedra rolada, dos rios, das proximidades
Arquitetura vernacular
Futuro do pretérito
Desejo de voltar
no tempo
Retomar
Outra vista
outro jardim
Fato gato
Aparição
Bicho-terra-gente-obra
trabalho de mão
Corpo arquitetônico
ruínas
Memórias de um latifúndio
no presente
Patrimonialismo
marcado na carne
da terra,
do trabalhador
Construção civil
massacre
e domesticação
das plantas, dos bichos, da gente local
Plantamos e transplantamos os campos de algodão
no corpo de terra
na nave da igreja
Através
Em meio ao restauro de casas sobrepostas
Paiol, capela, museu
exposição
Cruz de pontas viradas
Transmutação
Entre os campos que percorremos
Congonhas, Congõi:
Suporte
Morumbi, Murundu-obi:
Montes claros, montes verdes
No alto, a capela
O início e o fim da procissão
Tempo cíclico
Recorrido
Transição
Dos campos
de algodão
às mãos de Aleijadinho
replicadas em São João da Cruz
Cântico espiritual
Barroco mineiro
Transfiguração
De Minas a São Paulo
Sabará, Carmo
Pau Brasil
Passagem das linhas
ferroviárias
passagem das cores
caipiras
até a Estação da luz
A poesia existe nos fatos
Cupim, abelhas, marimbondos
João de barro
Taipa formigão
histórias, memórias
transmissão
de terra pela terra
arquitetura dos insetos, dos pássaros
uma volta, duas voltas, bate asas
Explosão
A terra, a fazenda, o texto
A casa modernista
Estética europeia moldada em sistema de exploração
Casa grande e senzala
Morumbi, Mará-obi:
Lugar de lutas, peleja oculta, cilada
(outra versão)
As mãos do santo carregam
a procissão
“O batismo de Cristo”
no caminho de Peabiru
Peregrinação
Suanê
Warchavchik
Lina Bo Bardi
Flávio de Carvalho
E a mão do povo brasileiro
a esperar
Via dolorosa
de taipa, de terra
batida
construída
restaurada
trabalhada
As mãos de São João da Cruz
encarnadas
suportam o corte
de cristal, concreto e aço
Modernismo
ocidental
transparência e
devastação
Pássaro que bate no vidro,
mais uma vítima
da construção
Por vezes
nos detemos
na beleza
das formas
das cores
do material
de construção
E a história,
marcada por sangue
por vidas
arrancadas
de suas
terras
e raízes
segue invicta
num imaginário longínquo de colonização
Mas as dores emergem da terra,
as revoltas,
o medo,
a manifestação
Os fantasmas estão entre nós
Virado à paulista
Queda da bastilha
Reorientação
Aguardamos
os cortes
de cabeças
não mais dos malditos
pela inquisição
não mais de artistas, de santos, de bruxas
Desaparecidos
Nunca más
Não mais
carnificina
sangrenta
brutal
Em nome do pai, do filho, do irmão
(Patriarcado)
A óstia
o vinho
a consagração
do corpo de Cristo
Amém
— Ana Paula Cohen
São Paulo: Capela do Morumbi, 2023.