Solo
Vermelho ouro
Vermelho terra
Vermelho sangue
Solo fértil
cabeça despida
no leito de morte
no veio da terra
Happy days
Androgenia
Mãe avó e tia
Memória guardada
habitada nos sonhos
nos tempos em que não há tempo
Volátil
incorpora
carnifica
na carne
dos olhos
de vidro
que a terra
há de comer
A base o busto
o memorial
Enterra
a cabeça sem corpo
no corpo da terra
no sal da lua
da cabeça de roca
Fiar
Desfiar
Conversa fiada
Tecer o tecido
de um lugar não ido
Constrói o corpo
Corrói a alma
Estrutura de vértebras
Colossal
Erosão do tempo
das chuvas dos ventos
do sol que queima
do sal que arde
no corpo
da casa
findada
finada
Buscamos o vivo
da vida
mas a terra
engole
encobre
sufoca
e mata
A terra o solo a origem
a casa a família o barroco
e o santo
do pau-oco
Pau-a-pique
Pau a ponto de bala
Revolve a terra
Fecunda a guerra
corpo soterrado
alimentado
por terra
vermelha
de carne
sagrada
Solo fértil
denso leve eleva
as memórias e as imagens
da criança
atravessam o corpo dos que passam
pela vida
pela via
dos que rezam
a novena
dos que oram e laboram
as ruínas das minas
construídas por vidas
desperdiçadas
O corpo
suturado
amarrado
costurado
traveste
e veste
a colcha de retalhos
A casa se inunda de dor
De partida, de despedida
A volta para a terra é um solo
que ninguém pode dançar por você
O vivo suporta a morte
A casa acolhe o corpo
A terra o barro a vila o povo de algum lugar
perdido
no tempo
do assombro
da assombração
O encontro dos corpos
o peso
a terra a lama
o fundo, profundo
Onde termino, descontínuo
Bataille
Na volta para a terra
[Eu te encontro]
no limiar entre a vida e a morte
no entre a ferida e o corte
cicatriz
na pele no ventre na terra
na cabeça criada
descrente
de corpo inexistente
Pagãos carregam
o corpo sem órgãos
da cabeça de roca
Sou Beckett sou um sou todos
o anjo da procissão
Mãos pés e cabeça
patas focinho e rabo
pedaços do corpo
na terra
no éter
na sopa
no feijão
A carne
do osso
do porco
que nasce
que cresce
que morre
que abre que sangra
que escorre (...)
(...) que cheira que fede
putrefação
A carne,
a terra falece
mas o corpo segue corpo
enterrado
1º ato, 2º ato
mortificado
transpassado por vida por luz por ferro por cor
de oxidação
pela cor do sangue
da cabeça de roca
montada
e aberta
para uma visão
do céu do morro do mato
do bicho da zona rural
A cabeça viaja
para fundar
um território
nacional
O corpo a casa a carne
afunda
apodrece
deteriora
esquece
no solo
em que nasci
perpetuo o caminho
dos que vieram
e dos que estão por vir
Cabeça feminina
Deusa da destruição
Trabalho na terra
de terra
com terra
território de luta
de luto
de vidas e pós-vidas vividas
que seguem
no solo
e findam na terra
dos confins
de Minas
Gerais
— Ana Paula Cohen
São Paulo: Galeria Luisa Strina, 2017