Exposição-processional em dois atos:
Oração e Texto*
Oração
Origem
Procissão
Seis anos de nosso Solo, mesmo chão
Terra roxa, vermelha,
Sudestina
Após idas e vindas,
derrotas e vitórias,
aportamos,
chegamos
Mesma vista
Mesmo jardim
Os olhos que nos guiam
E nos protegem
Visão
Os santos de roca
A Companhia das Índias
Mercado colonial
Trânsito infindável
De corpos, de vidas
de línguas, de crenças
Imigração
E agora, passados alguns anos
qual tecido ainda é tecido no mundo, por mãos?
É Made in China ou foi feito por artesãos?
O texto tecido
Tessitura
A teia da vida
deixa resíduo
envergadura
Por que será que vamos, voltamos
E novamente aqui
nos encontramos?
Entre orações, dias e noites
Rezas e meditações
Entre textos, leituras e tramas
Dormimos
E sonhamos
Percorremos espaços luminosos,
Campos de plantação, de trigo, de algodão
E os pêssegos, de onde vêm?
Quais são as frutas da estação?
Verão de 1997
Veremos em 2023
Caixas empilhadas
de frutas importadas
China, Pérsia, Grécia
Oriente, sol nascente
Passagem do tempo,
da vida
Envelhecemos
E com atenção aos ciclos da terra,
morreremos
Mais uma primavera
colheita
fim de estação
Agricultura, astronomia, astrologia
Planetas alinhados em capricórnio
Pandemia
campos de morte
extermínio em rede nacional
distanciamento
social
Tanta gente já se foi
E nós ainda estamos aqui
nesta terra
de ninguém
de maio a maio
de outono a outono
5 anos
em oração
Um ciclo se fecha, outro se abre
Te espero no portão
Vamos juntos
Para esse lugar onde a luz nunca se apaga
Onde o silêncio permeia todas as coisas?
Onde o que resulta já não importa,
por que tudo ali está?
O caos
O Tao
A física
A tal da ciência
A consciência
Silêncio e luz
Amorosidade
Caminhamos juntos
Nos altos e baixos da vida
Nos vales da morte,
do medo
Na garganta
de terra
(no museu)
roçabarroca
Nos campos
de algodão
(da galeria à capela)
cultivados por imigrantes do Japão
O bicho, a rota da seda,
Ahimsa silk
Como desacelerar a violência
A destruição
Contra tudo
Contra todos os seres
Capitalismo, mineração
Sabemos
É um saber ancestral
Mas pouco fazemos
Vertigem
Desejo-abismal
de saltar
de cair
de chegar
ao chão
Terra firme
Momento de virada,
De ideogramas sobrepostos
Ma
Portal e entrada de luz
O sol nos espera
São tempos de força, de alegria
De novos caminhos, de procissão
De arquitetura religiosa
Iluminação
Experiência n.2
caminhar subversivo
ao revés
seguimos
em linha
um dia depois do outro
meia-revolta
volver
Os fiéis
carregam o santo
nas mãos
e o seguem
pelas costas
As flores desenham caminhos
nas ruas da cidade
festa, festejo, reunião
Te vejo ali, criança
Na procissão
Estamos de passagem
Passaremos
E tudo o que é transitório
Nos acompanhará
Carnaval
Via dolorosa
14 estações
Da terra, do vermelho, do sangue
da cruz
Da pele de pêssego
trabalhada
tramada
chegamos ao branco
suspensão
etéreo
espacial
algodão
O feito à mão
A imagem de vestir
Santo encarnado
Escarificação
mosaico de pele
de pêssego
dourado
banhado de luz
juventude sagrada
eternizada
O porto,
a baía de todos-os-santos
A pedra sabão
Igrejas, pelourinho
Barroco mineiro
Expropriação
Leituras de Aleijadinho
Congonhas, Congõi:
o que sustenta,
o que alimenta,
o que mantém o ser
Suporte
Sigamos em frente
E teremos o corte
Cortem-lhe as cabeças!
Tiradentes
Paisagem emoldurada
Recorte retangular da visão
Imagem descolada do corpo
dissociação
Cabeça de santo
Mais um que nos olha
Em oração
Krishna, Cristo
Manifestação divina
Carnação
Fomos nós que cortamos (ou deixamos cortar)
o círculo
os ciclos
a roda
as raízes
Por isso vivemos
separados
cada um
no seu quadrado
e o corte lacaniano:
volte daqui a seis anos.
— Ana Paula Cohen
São Paulo: Galeria Luisa Strina, maio/outono do hemisfério sul,
2023