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Aleijadinho
, 2017-2023





               
                
                  
                 O trabalho Aleijadinho está disposto no batistério da Capela do Morumbi / Museu da Cidade, em meio aos afrescos que representam a cena do batismo de Cristo com anjos de fisionomias indígenas pintados pela artista pernambucana Lucia Suanê (1922-2020) nos anos 1940. 

                 Trata-se de um trabalho que discute a noção de obra feita a várias mãos, a partir de mãos, e que problematiza uma “projeção morfopsicológica”*, para empregar uma expressão de Bazin (1901-1990), presente em “O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil”: mãos que esculpem, mãos que trabalham, mãos que projetam, mãos projetadas, mãos deformadas, mãos decepadas, mãos amputadas, mãos aleijadas, mãos fantasmagóricas, mas também aquilo que atravessou o tempo – experiências e saberes –, que passou por várias mãos, mãos que fazem mãos.
               
                Duas mãos de uma escultura** de Aleijadinho são esculpidas e encarnadas por santeiros populares mineiros em escala natural 1:1, e incrustadas na posição da imaginária sacra e, também, numa relação direta com o corpo do espectador num cavalete de cristal de Lina Bo Bardi (1914-1992). 

                 Lina Bo Bardi propõe um balanço da civilização brasileira popular como necessário e diz que:

  •                 “este balanço não é o balanço do folklore, sempre paternalisticamente amparado pela cultura elevada, é o balanço ‘visto do outro lado’, o balanço participante. (…) o Aleijadinho (grifo nosso) e a cultura brasileira antes da Missão Francesa. É o nordestino do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, sêca, dura de digerir”***.

                 No caso do trabalho Aleijadinho, dado a transparência do cristal do cavalete de Lina Bo Bardi, o corpo do espectador, ante ele ou atrás dele, poderá fazer parte da obra “fundindo-se”, por assim dizer, nela. 

                 Há nesse trabalho uma discussão sobre o estatuto da mão em diversos âmbitos, um trabalho realizado a várias mãos: as mãos do escultor Aleijadinho, as mãos dos assistentes de Aleijadinho, as mãos da imagem esculpida, as mãos dos santeiros populares responsáveis pela réplica, as mãos da arquiteta Lina Bo Bardi ao desenhar os cavaletes de cristal, as mãos dos técnicos que executaram o cavalete, as mãos do artista na realização dos projetos, croquis e estudos para o desenvolvimento da obra Aleijadinho, as mãos da assistente do artista, as mãos da curadoria, as mãos dos montadores que incrustarão as mãos esculpidas na pele de cristal.  
                
                 A reunião de temporalidades distintas e deslocamentosse relaciona diretamente tanto com o que se presentifica na construção da Capela do Morumbi, ruínas de uma arquitetura vernacular – a taipa de pilão – com a arquitetura moderna via gesto de restauro do arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972), como na obra Aleijadinho, as réplicas das mãos esculpidas e encarnadas pelos santeiros populares mineiros na pele de cristal do cavalete criado pela também arquiteta moderna italiana Lina Bo Bardi.

Thiago Honório, agosto de 2023.



* Germain Bazin, “O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil”, 1928. In: BAZIN, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record, 1971, p. 195.
** As mãos da imaginária São João da Cruz, no Carmo, em Sabará, MG.
*** In: BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994, p.12.












Ficha técnica

Aleijadinho
, 2017-2023
Réplicas de mãos da escultura de São João da Cruz (1775-90), de Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, esculpidas em escala natural 1:1, e encarnadas por santeiros populares mineiros, incrustadas em cavalete de cristal de Lina Bo Bardi (1914-1992), na posição original da imaginária
264 x 100 x 40 cm
Cavalete de cristal 99/100 da reedição feita pelo Instituto Bardi/Casa de Vidro e MASP Cavaletes, do cavalete de cristal criado por Lina Bo Bardi

montagem: Maurício Rossi e Leandro Araújo
assistente do artista: Selene Alge
escultura: Marçal José Rosa Roberto
carnação: Mauro do Espírito Santo de Souza
produção local: Adriano Reis Ramos
produção executiva: Amálgama (Lorena Vilela e Paula Marujo)
produção: Isabela Vieira
foto: Edouard Fraipont, Ana Pigosso



Exposições

Texto
, Capela do Morumbi, SP, 2023





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